top of page

Uma análise da música "Alibi" de Sevdaliza, Pabllo Vittar e Yseult

Foto do escritor: Katherine CarvalhoKatherine Carvalho
Sevdaliza, Pabllo Vittar e Yseult posando para foto do clipe de "Alibi"

“Alibi” é uma música que une o funk ao ritmo latino, abordando temas como feminismo, transfobia, violência contra mulheres e cumplicidade feminina


Pra ser bem sincera, na primeira vez que ouvi “Alibi” de Sevdaliza, Pabllo Vittar e Yseult, não gostei muito. Apesar de amar a Pabllo, o ritmo a princípio não me agradou, mas assim como aconteceu com Despacito lá em 2017 (que odiei no início e o resultado é que ouço até hoje), tudo mudou depois que eu vi o clipe.


Essa análise de “Alibi” vem com um bônus: a análise do clipe também


O clipe começa já com os primeiros versos da Pabllo. Há uma adaga no centro da imagem, e uma mancha de sangue lentamente se infiltra no tecido branco que serve de plano de fundo. A primeira estrofe diz o seguinte: 


No meu amor sempre tem dor

Tudo pelo meu prazer

Imagem de abertura do clipe de "Alibi"

Aí você já faz aquela relação entre palavra e imagem: sangue, amor, faca, dor, prazer. Não sei você, mas eu já vi noticiários o suficiente pra saber que esses termos infeliz (e não coincidentemente) aparecem muito juntos nos telejornais.


Crimes passionais, movidos por paixão, vinganças por traições, violência motivada por ciúmes, pode ser qualquer uma dessas opções. Mas nesse caso de “Alibi” eu penso diferente. Fala sobre violência, sim, também fala sobre um crime, óbvio, mas tem um detalhe importante: a vítima aqui não é quem morreu. 


Mas falando sobre esse verso em específico, tudo pelo meu prazer: se você é mulher e isso não te lembra alguém agindo exclusivamente em benefício próprio (e eu sei que todas nós conhecemos alguém assim), talvez essa música não seja mesmo pra você.

Imagem do clipe de "Alibi"

“Alibi” conta a história de um assassinato


Antes que a letra da música comece de fato, vemos a iraniana-holandesa Sevdaliza em pé rodeada de mulheres. Uma delas tira a faca da mão de Sevdaliza, o que nos leva a pensar que ela matou alguém. Quando a câmera aproxima um pouco, vemos que alguém escreveu palavras em seu corpo. 


Não escreverei as traduções aqui, mas “bitch” e “whore” são xingamentos em inglês, geralmente destinados a mulheres. A minha interpretação (fique à vontade para ter a sua) é que alguém foi cruel com Sevdaliza, humilhando e maltratando a cantora, o que a motivou a cometer um crime – provavelmente matando quem foi mau com ela. 


A reação das mulheres é intrigante: não parecem surpresas, que dirá revoltadas. Estão calmas, sérias, sua única preocupação é limpar Sevdaliza das marcas da crueldade, como se soubessem exatamente o que ela fez – e por quê – e não se importam. É como se dissessem, venha, vamos te limpar, está tudo bem. 


Can you remember when the last time was

You felt safe in the dark?

This world was never meant for a woman's heart

But still, you rise through it all


[Tradução]

Você lembra quando foi a última vez

Que se sentiu segura no escuro?

Esse mundo não foi feito pro coração de uma mulher

Mas mesmo assim você se ergue em meio a tudo isso


Aí vem a segunda estrofe como um soco no estômago. Acho que quem é homem não sente o impacto desses versos tanto quanto quem é mulher. Desculpa, mas existe essa diferença, e por favor, não se sintam excluídos ou discriminados por não compreender todo o peso dessa estrofe. Fica tranquilo, não é privilégio nenhum.


Sevdaliza registra em “Alibi” que nenhuma mulher está, de fato, segura. Ela diz “no escuro”, mas você, mulher, sabe, que a gente não tá segura ainda que esteja bem claro, à luz do dia. E pra responder a pergunta, eu particularmente não me lembro da última vez que me senti segura no escuro, não. Você lembra? 


O mundo não foi mesmo feito para o coração de uma mulher. Pisamos um centímetro fora do círculo desenhado pelos homens e já escrevem palavras horríveis em nosso corpo. E mesmo assim, a gente, eu e você, nos erguemos em meio a tudo isso.


Um cântico entoado em exaltação ao sagrado feminino


Na imagem seguinte, vemos Sevdaliza sendo conduzida por um corredor escuro até um cômodo mais amplo onde a esperam algumas pessoas. Você vai perceber isso durante o desenrolar do vídeo: não há homens no clipe. As protagonistas são sempre mulheres, sejam mulheres cis ou trans. Ou, no caso da Pabllo, drag queens.

Imagem do clipe de "Alibi"

When I'm out of breath, she's my vitals (ooh-ooh)

When I need to rev, she's my ride-or-die

When I'm out of faith, she's my idol

I just killed a man, she's my alibi


[Tradução] 

Quando estou sem fôlego, ela é meu sinal vital (ooh)

Quando preciso acelerar, ela é minha parceira fiel

Quando estou sem fé, ela é meu ídolo

Acabei de matar um homem, ela é meu álibi


Um pouco antes do refrão, Sevdaliza afirma que “ela” tem uma importância significativa em sua vida. A cantora não especifica de quem está falando, mas tudo o que vemos até aqui fortalece a ideia de que ela fala num sentido geral da palavra: ela sou eu, é você, são nossas mães, irmãs, avós, primas, vizinhas, amigas. 


Ela é a mulher. Qualquer mulher. A mulher que te dá os sinais vitais quando você nasce, a que te dá o descanso e o ombro amigo quando você precisa de um colo, a que te aconselha e te guia quando você precisa de luz. No final, quem está pela mulher é sempre outra mulher. 


E logo em seguida, Sevdaliza confessa que matou um homem. No entanto, quando a polícia chegar e os questionamentos começarem, o álibi dela estará logo ali, ao seu redor: as mulheres que vão apoiá-la e protegê-la aconteça o que acontecer.

Imagem do clipe de "Alibi"

Então a parte mais bonita da música começa: o refrão. Não cantado como um refrão normal, pela própria cantora, mas por um conjunto de vozes, todas femininas, como num coro. 


Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú (alibi)

Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres


Elas repetem sem parar “Rosa, que linda você é”, como um cântico entoado em exaltação a alguma divindade. E de fato, o clipe reforça a ideia de que elas estão, sim, venerando Sevdaliza, pois as mulheres começam a dançar ao redor da cantora numa coreografia ritmada, como num ritual de adoração. 


Aqui cabem muitas interpretações. Se você não concorda comigo, tudo bem. Mas na minha visão, as mulheres estão acolhendo Sevdaliza, ou no caso, Rosa, acalmando-a depois do assassinato, garantindo que ali ela é compreendida e que seus atos, assim como suas motivações, não serão julgados. Porque todas sabem pelo quê ela passou e por que fez o que fez. Afinal, todas ali são mulheres.


Rosa, que linda você é, elas dizem, e o que fica subentendido é: Rosa, quão corajosa você foi, não importa o que você fez, nós vamos te proteger. É, com certeza, uma exaltação do sagrado feminino, uma confirmação de que ali, uma está pela outra. Sevdaliza confia nelas e é por isso que elas são seu álibi.


“Tudo é tão nojento”


Não sei você, mas pra mim, tudo parece mais bonito quando dito em francês. Bom, até você ver a tradução, pelo menos. Quando Yseult canta sua parte em “Alibi”, ela também segura uma faca na mão, e a move como que admirando a arma, erguendo-a acima da cabeça como um objeto sagrado.

Imagem do clipe de "Alibi"

Tout est nasty

Que des mélo mélo dans ma tête

Que des mélo mélo dans ma tête

Que des mélo mélo dans ma tête

My baby, doudou

Bisous dans le cou

Sur mon corps tu donneras tout, tout

Do you want it, do you want it too?


Ooh, ton corps sera mon été (aah-ah)

J'ai mis ton cœur de côté

Fini le temps des poètes

Je les hais comme je les aime

Quand je tue un homme, c'est mon alibi


[Tradução]

Tudo é tão nojento (tudo é)

Todas essas melodias na minha cabeça (tudo é)

Todas essas melodias na minha cabeça (tudo é)

Todas essas melodias na minha cabeça, meu amor

Dois (tudo), dois (tudo), um beijinho no pescoço (tudo)

Você fará de tudo pelo meu corpo, de tudo mesmo (tudo, tudo)

Agora você quer, agora você quer tudo


Ooh, seu corpo será o meu verão (ah-ah)

Deixei seu coração de lado

Já se foram os dias dos poetas

Odeio os homens tanto quanto os amo

Quando mato um homem, esse é o meu álibi


Os versos de Yseult, por mais que eu analise, ainda me deixam intrigada. Sim, tudo é muito nojento, essa realidade é nojenta, a violência é nojenta, a necessidade de se defender revidando com mais violência é duplamente nojenta. Mas não consigo parar de pensar na frase “odeio os homens tanto quanto os amo”. É engraçado, não é? E nada mais justo que o sentimento seja ambíguo para aqueles que dizem nos amar e nos matam em nome desse amor. 


Queria salientar também que, no clipe, podemos ver que algumas palavras foram escritas na lâmina da faca que Yseult segura, mas eu, infelizmente, não fui capaz de ler apesar das inúmeras tentativas. Então se você sabe o que está escrito, por favor, me fale. 


Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú (alibi)

Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres

Imagem do clipe de "Alibi"

A segunda repetição do refrão surge com Yseult fincando a faca na mesa e as mulheres estendendo um pano vermelho, que sacodem no ar com cadeiras erguidas. Aqui também cabem muitas interpretações, mas mais uma vez, eu vejo como a exaltação do sagrado feminino – o vermelho do sangue que aparece logo no começo, agora tomando a tela inteira, o vermelho do sangue da menstruação que é visto como sujo quando, na verdade, sujeira diz respeito a algo bem diferente.


Pabllo Vittar fechando o clipe com chave de ouro


A última parte da música é Pabllo quem canta.


Muito prazer, em conhecer

O causador de todo o teu sofrer

E eu vim de longe só pra te dizer

Tu é o meu mal querer

No meu amor

Sempre tem dor

Ela é o meu álibi


Repare que no início desse trecho, Pabllo aparece também cercado de mulheres e uma delas, inclusive, tira de seu cabelo um laço onde podem-se ler mais palavras ofensivas e cruéis. Isso nos faz pensar que Pabllo é mais uma das vítimas de violência que se refugiaram neste lugar, que acolheu Sevdaliza após o assassinato.

Imagem do clipe de "Alibi"

Ainda não estou totalmente certa do significado dessa parte, mas a cada vez que ouço, me convenço de que Pabllo está falando com o homem que Sevdaliza matou, e seu tom irônico ao dizer que sente prazer em conhecer o causador do sofrer da amiga me dá um gosto amargo na boca, porque, se o homem está morto e Pabllo está falando com ele, talvez na história hipotética dessa música, Pabllo também já tenha morrido. E é por isso que está com tanta raiva e pronta para defender Sevdaliza.


Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú (alibi)

Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú (I just killed a man, she's my alibi)


Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú (alibi)

Rosa, qué linda eres (alibi)

Rosa, qué linda eres tú


O clipe finaliza com a repetição do refrão e a imagem das três cantoras dançando juntas no meio das mulheres, que permanecem em seu cântico, exaltando agora não só Sevdaliza, como Pabllo e Yseult também. 


A verdade é que “Alibi” teria um significado totalmente diferente para mim se eu nunca tivesse visto o clipe. Por isso meu conselho é: vejam o clipe. Sempre. Na maioria das vezes, sua visão sobre a música muda drasticamente. 


E assim termina a análise de uma música que, a princípio, parecia apenas um funk com ritmo bom para dançar, mas que após um estudo mais profundo e uma olhada mais atenta tanto à letra quanto ao clipe, se transformou num retrato cruel e brutal do que é, de fato, ser mulher.


** Todas as análises feitas aqui são fruto da minha percepção de mundo e do que eu acredito, sinto e imagino ao ouvir cada música e ler cada letra. Não representam necessariamente a realidade e podem não coincidir com o que você, porventura, venha a acreditar depois de ler a análise ou de ouvir a música sobre a qual se refere a análise. Também pode não coincidir com o real intuito do artista e do compositor ao criar a canção — tudo isso é apenas a minha visão, a minha opinião e o meu entendimento a partir da música que chega aos meus ouvidos e que eu decidi por livre e espontânea vontade compartilhar com vocês.

Posts recentes

Ver tudo

7 comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
Convidado:
06 de out. de 2024
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Parte da tradução do francês está equivocada. Talvez por isso ainda esteja confusa a interpretação.

Curtir
Katherine Carvalho
Katherine Carvalho
07 de out. de 2024
Respondendo a

Isso que dá confiar no Google Tradutor! 🤡🤡 hahahahahaha quem puder me ajudar com a tradução certa, por favorr! 🙏🙏

Curtir

Isadora Santos Dias
Isadora Santos Dias
19 de ago. de 2024
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Num primeiro momento, provavelmente por ter "hitado", achei a canção enjoativa e pensei que não houvesse sentido, mas estava brutalmente enganada. Fazia muito tempo que não tinha contato com algo possui tamanha essência e significado.


As minhas observações conversam com todos os pontos abordados. A obra, é um hino ao feminismo, cada um dos elementos representa as mulheres, principalmente ao exaltar a força que carregamos diante das dificuldades enfrentadas. É um pacto, uma unidade, uma forma explícita de cumplicidade e irmandade, quase uma sociedade secreta.


Assim como você, algumas dúvidas se mantiveram, mesmo depois de uma análise minuciosa. Acredito que para um entendimento satisfatório, seria interessante acessar a tradução das escritas, que aparecem no laços, partes do corpo e nas…


Curtir
Katherine Carvalho
Katherine Carvalho
19 de ago. de 2024
Respondendo a

Adorei as reflexões!! Eu não tinha pensado assim 😍😍 como sempre, seus comentários agregando ainda mais ao meu conteúdo ❤️ obrigada por isso (não canso de agradecer), é uma alegria te ter aqui!

Curtir

Convidado:
17 de ago. de 2024
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Muitooo bommm 👏🏻👏🏻

Curtir

Convidado:
17 de ago. de 2024
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Adoro ler suas análises! É fantástico poder conhecer algo que já vi na perspectiva de outra pessoa e, dessa vez, com ainda mais detalhes. E o melhor de tudo:


Com ênfase em pequenas coisas que eu não havia percebido.


Independente de interpretações — por sinal, concordo muito com a sua, sua escrita nos leva diretamente para o clipe, para a música. Li tudo ouvindo e assistindo ao vídeo musical na minha cabeça. Fascinante!

Curtir
Katherine Carvalho
Katherine Carvalho
17 de ago. de 2024
Respondendo a

Obrigada!!! ❤️❤️ seu comentário me deixou muito feliz, espero que revisite o blog pra acompanhar os próximos conteúdos! 🥰

Curtir

Obrigada!

bottom of page