![Mãos de mulher erguidas com marcas e cicatrizes](https://static.wixstatic.com/media/41b8a4_f52c61ddf9a24f9da6931c25787b106c~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_690,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/41b8a4_f52c61ddf9a24f9da6931c25787b106c~mv2.jpg)
Me perdoa por te odiar? Queria poder dizer o contrário, mas a verdade é que em 95% do tempo em que passamos juntos, eu te odeio.
Corpo, eu tenho um desabafo pra você: eu te odeio.
Mas acho que você já sabe.
Eu odeio as dobrinhas que você faz na minha barriga quando eu me sento, eu odeio a celulite que parece tomar conta de mim inteira, eu odeio as estrias que surgem a cada hora num lugar diferente.
Eu odeio a pochete da qual eu nunca consigo me livrar. Ela aparece em toda roupa que eu uso e, por mais que eu tente, não sou capaz de me acostumar com ela. As espinhas também não me agradam. Pelo menos você deu uma folga pro meu rosto e agora elas pipocam em lugares menos visíveis, tipo no ombro ou nas costas (te agradeço por isso).
Mas eu odeio os meus dentes separados. Tentei consertar isso na adolescência, usando aparelho e coisa e tal, mas não durou muito tempo, como você bem sabe. Você logo tratou de separá-los de novo. Agora eu já desisti. Vai ficar separado mesmo.
E você sabe também que eu odeio o fato de que não posso comer nada, absolutamente nada, sem que eu ganhe simultaneamente uns 2 kg a mais na balança.
Eu odeio que você não consiga se adaptar a uma dieta, por menos restritiva que seja. Qual a dificuldade? Você não consegue ficar uma semana comendo coisas saudáveis? É tão impossível assim?
E eu odeio o seu metabolismo lerdo. Lerdo lerdo LERDO. Pra ganhar peso você é rápido, né, mas pra perder nem tanto. Por quê? Talvez porque você me odeia tanto quanto eu te odeio? É vingança?
Eu odeio o seu vício em McDonald’s. Isso realmente atrapalha muito a minha evolução, sabe? Você podia se viciar em outras coisas, tipo aveia, tapioca, iogurte desnatado. Eu odeio o fato de que você odeia coisas saudáveis. Exceto legumes, de legumes você gosta, graças a Deus.
Eu odeio quando você fica doente por tudo. É problema em tudo quanto é lugar, caramba. Precisava? Tinha necessidade? É enxaqueca, é gastrite, é pressão baixa, é síndrome vasovagal, é ovário policístico… é não sei o quê, não sei o que lá. Nem vou falar tudo, o texto ia ficar maior do que já tá.
Isso sem falar da febre emocional. Você é tipo: hmmm, estou triste, vou causar uma febre de 39ºC nela hoje. Sério, eu te odeio.
Mas eu gosto da minha boca. Tem um formato bonito e quando não está machucada pelas pelinhas arrancadas, é sinceramente uma das coisas que mais gosto em mim. E os meus olhos. Gosto muito dos meus olhos. Não é castanho, mas também não é verde. Só é bonito.
E acho que minhas mãos são relativamente bonitas também. Agora que estou deixando minhas unhas crescerem e parei com o transtorno de escoriação, elas são uma fonte de alegria pra mim. Ah, e o meu cabelo. Meu cabelo é a coisa mais importante quando o assunto é meu corpo. Obrigada por deixar ele bonito só com um xampu e um condicionador, é uma gentileza sua.
Você me perdoa por aquele dia em que desejei arrancar fora algumas partes suas? Não foi nada legal. Me perdoa por todas as vezes que eu quis vomitar depois de comer algo gorduroso e extremamente delicioso, por culpa, por remorso, por buscar alívio e compensação.
Me perdoa por querer te mudar também. E por não te aceitar. Você é o que é, e eu deveria ser grata.
Eu deveria ser grata. Grata pelas pernas que, apesar da celulite, me permitem voltar andando da academia três vezes por semana, as mesmas pernas que suportam cada vez mais peso no leg press.
Eu deveria ser grata também pelos braços, que ajudam minha mãe toda semana a carregar as compras do mercado pra casa. Braços que conseguem abraçar quem eu amo. Braços que estão ficando um pouquinho mais fortes com a ajuda da musculação.
Então me perdoa?
Me perdoa pelas inúmeras vezes que eu te perguntei por que diabos você não podia ser igual ao corpo da Virgínia? Me perdoa por todas as vezes que eu não acreditei quando alguém disse que eu era bonita.
Me perdoa por te maltratar e por querer que você siga padrões inalcançáveis. Sei que é injusto, e pior que isso, é irreal. Por que então continuo buscando algo que não existe?
Mas a despeito dos 95%, existem os 5%. E eu quero fazer as pazes com você. Acredito que estamos evoluindo, você não acha? Houve um tempo, alguns anos atrás, que eu não conseguia apreciar nada em você. Mas hoje consigo reparar em algumas coisas e consigo ser grata (pelo menos de vez em quando).
Mas me perdoa por essa porcentagem ainda ser tão pequena, tão singela. Quem sabe com o tempo a gente consiga aumentá-la, eu e você. E daí não vou mais te odiar tanto. Mas você me perdoa por ainda não ter conseguido? É que eu ainda estou aprendendo a te amar.
Um recado da autora: “aprenda a amar seu corpo” é o que dizem
Mas ninguém diz como. Então o jeito é aprender sozinha. Nas tentativas infrutíferas, nos erros e nos acertos. E sinceramente? Não sei se é a forma mais indicada, mas… É tentando te odiar menos que eu aprendo a te amar mais.
Acho que de todos os textos seus que eu já li, esse foi o que mais me deu vontade de chorar.
Muito provavelmente pela identificação que ele causou — o que já era de esperar, vamos falar sério, é impossível nós meros mortais sermos 100% felizes com o corpo que habitamos todos os dias.
Mas esse texto foi pessoal demais e eu nem o escrevi, curioso e triste saber que você vive na minha mente enquanto nunca saiu da sua. Fico feliz em saber que aos poucos você está aprendo a apreciar aspectos no seu corpo, como deveria. Eu te conheço pessoalmente Kathe e te acho linda, porém, eu sei mais do que ninguém que quando a gente coloca uma…
Muito bom ♥️