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  • Foto do escritorKatherine Carvalho

Uma resenha do filme “Bird box”: eu nunca conseguiria resistir à curiosidade de abrir os olhos

Pôster do filme "Bird box" disponível na Netflix com Sandra Bullock

● 2018

● Direção: Susanne Bier


Esta resenha do filme “Bird box” contém spoilers


A proposta de “Bird box” é boa do início ao fim. Geralmente, distopias são ambientadas em mundos pós-apocalípticos devastados por alguma tragédia, praga ou guerra. No entanto, embora “Bird box” possa ser considerado, a meu ver, uma distopia, não estamos falando de um apocalipse; apenas do fim de um mundo tal qual o conhecemos. Isso porque não há um colapso — há, na verdade, os primeiros minutos retratados na realidade à que estamos acostumados que, depois, é perturbada pela chegada de um mal invisível que leva todos que o veem à loucura e, consequentemente, ao suicídio.


O que mais acho interessante em todo o filme é o mistério que envolve as criaturas que levam as pessoas a fazer o que fazem. Em nenhum momento o espectador vê o que os personagens veem, e acho que essa é a jogada mais inteligente do enredo. Porque, ao deixar o espectador no escuro, junto com os personagens, o diretor imediatamente cria uma experiência imersiva que deixa o suspense ainda mais pesado e tenso. Afinal, não teria tanta graça se a gente conseguisse ver as criaturas. O personagem se pergunta “o que será que vou ver ao abrir os olhos?” e a gente se pergunta ao mesmo tempo “mas como será que é essa criatura?”.


Um significado que, pra mim, é muito mais profundo do que parece


As cenas iniciais do filme já são, em si, de muita tensão. Somos apresentados à Malorie, uma mulher já em estágio de gravidez avançada, e sua irmã, que se veem subitamente jogadas no meio do caos proporcionado pela chegada das criaturas. A única coisa que me pareceu esquisita e um tanto forçada foi o capotamento do carro sofrido pelas duas (quando a irmã de Malorie vê as criaturas pela primeira vez e perde o controle da direção), onde Malorie não sofre nenhum ferimento mais grave do que alguns arranhões. Afinal, ela estava prestes a parir — o capotamento de um carro com certeza faria mal ao bebê, certo? Mas estamos falando de um filme, e “Bird box” tem uma trama tão boa que detalhes como esse tornam-se insignificantes. 


Já ouvi muitas teorias a respeito de “Bird box”, mas a que mais me convenceu foi a que as criaturas do filme fazem alusão à depressão — que sabota nossa visão, toma nossa mente como um vírus, perturba nossas ideias e nos leva a fazer coisas (com os outros e com nós mesmos) que não pensaríamos fazer em situações normais. A presença dos pássaros também me remete às doenças mentais. Eu, que convivo com a depressão há quase 10 anos, sempre vejo no canto dos pássaros um motivo para sorrir e uma promessa de que o amanhã vai ser melhor, e, ora, se os pássaros estão cantando, então as coisas não devem estar tão ruins assim, né?


Haja o que houver, não tire as vendas


A existência das vendas também torna coerente a teoria da alusão à depressão. Como se, de alguma forma, pudesse existir um remédio que nos protege dessa doença horrível que rouba a alegria e a esperança, assim como a venda protege os personagens contra as criaturas. Nesse caso, “Bird box” é uma bela fusão entre distopia — o mundo caótico — e utopia — o mundo ideal. Curioso, não? 


A existência do Greg, no entanto, sempre me intrigou. Até hoje não sei definir muito bem o papel dele dentro da trama e o que significam as pessoas que veem as criaturas e não ficam loucas. Greg existe só para arrancar os cobertores das janelas? Só para obrigar as outras pessoas da casa a abrirem os olhos também? E por que existem pessoas que enlouquecem e outras não? Já vi o filme inúmeras vezes e ainda não consegui encontrar uma explicação razoável para isso. 


Em contrapartida, os cegos já significam algo para mim. Se formos levar em consideração a teoria da depressão, o “ser cego” seria um alívio para mim. Algo como um escudo permanente e imbatível, muito mais eficaz do que uma venda, que pode ser arrancada a qualquer momento. Como se a depressão passasse por mim, bem na minha frente, e eu estivesse, para sempre, imune a ela.


Uma maternidade praticamente compulsória


Uma das coisas que mais gosto em “Bird box” é o fato de que, no início, Malorie não queria ser mãe. Ela, inclusive, chega a pensar em dar o filho à adoção. Porém, no decorrer da trama, ela não só se apega ao bebê como também assume o bebê de Olympia (depois que ela morre) como seu. Às vezes, a necessidade de sobrevivência nos faz fazer coisas anteriormente impensáveis, e torna a vida um tantinho mais gostosa de ser vivida. 


“Garoto” e “Garota”, é assim que Malorie chama as crianças até o fim do filme. Sempre me pego pensando por que diabos Malorie não deu nome aos bebês. Até hoje não encontrei uma resposta. Se você tem alguma teoria, por favor, escreva aqui nos comentários. Porque eu não faço ideia. O fato de Malorie só se considerar mãe deles no fim do filme, quando estão “a salvo”, também não me passou despercebida. Como se ela só se permitisse amar os filhos da forma como eles merecem a partir do momento que soube que não os perderia.


“Eu olho!”


A cena mais importante do filme, na minha opinião, é a do rio. Quando eles saem para a aventura no rio, Malorie explica às crianças que em determinado momento algum deles precisará tirar as vendas e olhar, devido à força da correnteza. Todos eles sabem o que isso significa e o perigo implícito naquela afirmação, mas mesmo assim as crianças assentem e, quando chega o momento, o Garoto e a Garota se oferecem para olhar — ambos claramente mortos de medo. O instante em que Malorie fica em silêncio, avaliando os filhos com um olhar intenso, decidindo qual deles vai sacrificar, para mim é o mais pesado e marcante do filme inteiro. E depois, quando ela toma a decisão de que nenhum dos três vai olhar, que eles vão fazer aquilo contando unicamente com a sorte, me traz um aperto de emoção tão grande que eu nunca serei capaz de esquecer essa cena.  


Por fim, a última cena que eu gostaria de comentar é a cena da floresta, quando Malorie e as crianças acidentalmente se separam e as criaturas surgem, sussurrando, tentando convencer o Garoto e a Garota a tirarem as vendas. Malorie se desespera e grita “não levem meus filhos!”, e se você foi atento durante o resto do filme, talvez você tenha percebido que essa foi a primeira vez que Malorie os reconheceu como filhos. O terror da situação, a perspectiva de realmente perdê-los — foi isso que trouxe Malorie efetivamente para perto das crianças.


Um filme que vale a pena ser visto mais de uma vez


Mas quer o filme tenha sido feito propositalmente como uma referência a determinada doença mental ou não, “Bird box” é uma experiência única e indescritível principalmente para aqueles que o assistem pela primeira vez — quando a expectativa do que acontecerá na cena seguinte ainda é genuína, e a surpresa, misturada com o alívio, depois de cada momento de tensão, é ainda mais pura.


Peço desculpas se essa resenha ficou muito comprida. É que eu acredito que filmes bons merecem análises longas, e eu não poderia resumir todo o meu amor por “Bird box”. Se chegou até aqui, talvez você goste tanto desse filme quanto eu, ou talvez até goste da forma como escrevo (embora a primeira opção seja mais provável). Então, se for esse o caso, tem um botão de like aqui embaixo. Você pode clicar nele?

Obrigada!

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Por Katherine Carvalho

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