![Pôster do filme "Lou" na Netflix](https://static.wixstatic.com/media/41b8a4_78b9ca1aecb14b54b272894350f1f306~mv2.jpg/v1/fill/w_130,h_130,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_avif,quality_auto/41b8a4_78b9ca1aecb14b54b272894350f1f306~mv2.jpg)
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Se você não gosta de spoilers, a autora recomenda que feche este post e volte apenas quando já tiver assistido o filme.
● 2022
● Direção: Anna Foerster
É difícil distinguir os vilões dos mocinhos no filme “Lou”
Recém-chegado à Netflix, o filme “Lou” conta a história de uma mulher solitária e misteriosa que vive numa ilha, assombrada pelos fantasmas do seu passado. Ela tem planos de acabar com sua própria vida quando, subitamente, sua vizinha e inquilina lhe pede ajuda para procurar (e salvar) a filha pequena que foi sequestrada. Juntas, então, elas seguem o rastro do sequestrador da criança — só que Lou ainda guarda muitos segredos sombrios que podem acabar se revelando nessa armadilha.
Até que ponto vai a linha tênue entre o bem e o mal? Geralmente, essa distinção costuma ser muito clara no cinema — estamos habituados a identificar, logo no começo, quem é o mocinho e quem é o vilão. Mas em Lou, isso não acontece — essa fronteira não existe. Bem e mal se misturam na figura da mesma pessoa, despertando ora aversão, ora simpatia através de suas falas, gestos e atitudes.
Dessa forma, nos apegamos, já no primeiro minuto, à protagonista que admite, sem remorsos, já ter feito coisas horríveis. E teria história mais parecida com a realidade senão essa? Afinal, ninguém é bom ou mau o tempo inteiro — todos nós fazemos coisas horríveis de vez em quando, e ainda assim somos capazes de fazer coisas boas também, e talvez seja por isso que eu tenha gostado tanto de Lou.
Uma protagonista cheia de segredos
O filme segue, majoritariamente, o ponto de vista da protagonista Lou, focando poucas vezes em Hannah, então conseguimos ter uma visão bastante ampla do cenário completo do enredo a partir dessas duas versões da mesma história. Quando Hannah descobre que sua filha sumiu, ela parece perceber automaticamente quem foi o autor do sequestro, o que por si só já é bem suspeito e causa estranheza no espectador desatento — e apesar de visivelmente não se dar bem com a vizinha Lou, é para ela que Hannah pede ajuda.
Se antes o espectador já tinha sido confrontado com a estranheza do enredo, nada se compara ao momento em que Lou aceita prontamente embarcar na jornada de resgate da criança, sem hesitação — por que ela está arriscando sua vida? O que ela tem a ver com isso? O que ela deve a Hannah?
A partir daqui, a resenha conterá SPOILERS, então se você prefere se surpreender com o filme por conta própria, é melhor parar agora mesmo e fechar esta página.
O início da busca é penoso e angustiante: o fato de o sequestrador ser o pai de Vee é perturbador e o cenário de chuva torna tudo mais sombrio, enquanto o jogo de luz e sombras do filme impacta o visual de uma forma muito marcante. Hannah e Lou são obviamente avessas uma à outra, e mesmo assim, não se separam — a expectativa por ação é finalmente saciada quando Lou decide adentrar a toca do lobo.
A queda da armadura de Lou
A vida de Lou é praticamente um mistério absoluto até a cena da cabana: ali, vemos que sua armadura começa a ruir, principalmente depois, quando ela confessa ser uma ex-agente da CIA. É então que o espectador começa a suspeitar de que essa é só a ponta do iceberg de uma série de segredos que ela mantém habilmente guardados dentro de si há anos.
Agora que Hannah sabe que Lou não é uma mera ex-escoteira, a confiança que a jovem deposita na mulher é muito maior, e a esperança se renova. Elas estão quase alcançando o sequestrador/pai de Vee quando Lou sugere que elas se separem. O espectador sente, então, que algo está errado. E realmente está, porque momentos depois, Lou enfim encontra Phillip, o sequestrador, que revela ser seu filho. Alguns detalhes começam, então, a se encaixar. Entendemos, então, o lance das fotos: o que a princípio pensávamos ser pistas para Hannah chegar até Vee, na verdade, eram mensagens para Lou.
Não dá tempo de assimilar o choque: quando tentamos entender a logística da coisa toda, Lou e Phillip iniciam uma luta corpo a corpo eletrizante, e temos de deixar a especulação de lado para grudar os olhos na tela. É óbvio que Phillip nutre um ódio puro e primitivo por Lou, e que Lou não o culpa por isso: em todos os momentos, Lou demonstra apenas cansaço e pesar, e seu olhar de tristeza dói na gente. Podemos ver claramente que ela sabe que a errada na história foi ela: em seu rosto não vemos exatamente arrependimento, mas um desejo profundo de que tudo pudesse ter sido diferente.
As péssimas escolhas de Lou a tornaram uma boa profissional, mas uma mulher profundamente infeliz
A verdade é que Lou pôs o seu trabalho na CIA acima do amor pelo filho — ela preferiu não resgatar Phillip quando ele foi sequestrado para não quebrar seu disfarce, e isso resultou no Phillip atual: um assassino, atormentado, traumatizado e cheio de rancor pela mãe. No fundo, toda a história de Lou não passou de um emprego: ela admite ter tido Phillip como uma peça da missão no Irã, e isso mais cedo ou mais tarde teria suas consequências.
Apesar de tudo, Lou não se arrepende em nenhum momento — ela sabe o que fez, convive com suas escolhas, e vive resignada com seu destino e sua história, aceitando de bom grado o fato de que, no fim, quem tem que lutar com Phillip é ela mesma. Quando Hannah descobre a verdade, sentimos pena de Lou: ferida e cansada, ela esbraveja que nem todo mundo nasce para ser mãe, mas que isso não a exime da responsabilidade pelo que se tornou Phillip.
A ruptura na relação das duas — sogra e nora —, entretanto, dura pouco. Logo, para salvar Vee, elas voltam a trabalhar juntas e conseguem escapar com vida das garras de Phillip.
A cena da luta é extremamente cruel, dilacera por dentro: em qualquer uma das hipóteses, o fim seria terrível. Ou o filho mataria a mãe, ou a mãe mataria o filho, e isso nunca deveria acontecer sob qualquer circunstância. Mas o mais cruel de tudo é que no momento em que Phillip hesita, Lou o abraça e pede perdão. Então eles choram instantes antes de serem alvejados pela CIA, que sobrevoa a cena num helicóptero.
O espectador é levado a acreditar que Lou e Phillip morreram, e que Hannah e Vee estão recomeçando a vida em outro lugar. Mas a cena final, que revela uma mulher observando as duas de longe através de um binóculo, dá a entender que Lou, talvez — e só talvez — tenha sobrevivido para continuar sendo, como sempre foi, a protetora da sua família — não de perto, como uma boa mãe, mas de longe e em silêncio, como uma velha e implacável guardiã.