![Imagem do livro "O massacre da família Hope" com uma estante ao fundo](https://static.wixstatic.com/media/41b8a4_669ec3a4f14f4f4d828fc5c9ce5355d3~mv2.jpg/v1/fill/w_147,h_77,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,blur_2,enc_avif,quality_auto/41b8a4_669ec3a4f14f4f4d828fc5c9ce5355d3~mv2.jpg)
Todas as resenhas deste site contêm spoilers.
Se você não gosta de spoilers, a autora recomenda que feche este post e volte apenas quando já tiver lido o livro.
● O massacre da família Hope
● Riley Sager
● 400 páginas
● Lançamento em 2024
Tenho duas coisas pra te falar. Primeira: esse é o tipo de livro que te prende e desperta sua curiosidade de tal forma que você não consegue parar de ler até saber o que acontece no final. Eu fiquei obcecada por ele como há muitos anos não acontecia com um livro.
Segunda: tem algumas falhas que não me passaram despercebidas. Não que sejam prejudiciais à história, porque a trama continua sendo muito boa apesar disso, mas são detalhes que fazem você pensar “hm, mas será? Meio forçado, né?”. Vou te mostrar o porquê.
Infelizmente este post tem muitos SPOILERS, pois para explicar os furos no enredo, serei obrigada a revelar detalhes importantes sobre a história. Então, se você ainda não leu “O massacre da família Hope”, recomendo que interrompa a leitura deste post imediatamente.
Primeiro um resumo de “O massacre da família Hope”
Quando Kit McDeere é suspensa de seu trabalho como cuidadora, precisa aceitar a primeira oferta de emprego que aparece. E a primeira oferta é essa: cuidar de Lenora Hope, uma idosa que, supostamente, matou toda a sua família mais de 50 anos atrás.
Há muitos boatos sobre Lenora ser realmente a culpada, mas na ausência de provas, ela nunca foi oficialmente acusada ou presa. Hoje ela é uma senhora inválida e paralisada devido a vários derrames e poliomielite, então precisa de cuidados diários – é para isso que Kit é contratada.
Ao chegar na mansão da família Hope, Kit está ao mesmo tempo assustada e curiosa sobre a infame Lenora, então quando Lenora decide contar toda a verdade sobre os assassinatos para Kit, ela aceita.
O único problema é que Lenora perdeu a capacidade da fala e somente seu braço esquerdo ainda tem movimentos. É com esse braço que ela começa a datilografar toda a sua história para Kit.
Preciso te contar os spoilers pra você entender o resto do post
A principal dúvida do leitor ao começar o livro é: Lenora realmente matou os próprios pais e a irmã? Tudo indica que sim, desde a primeira página, mas no decorrer da trama, você percebe que tem muito mais caroço do que você pensa nesse angu.
O primeiro spoiler é que Lenora, a mulher idosa que está sob os cuidados de Kit, na verdade é Virginia, a irmã mais nova que todos achavam que tinha morrido mais de 50 anos atrás, na noite dos assassinatos.
A verdadeira Lenora é ninguém menos que a Sra. Baker, a governanta que contrata Kit, que forçou a irmã a assumir sua identidade para que ambas escapassem impunes das acusações dos assassinatos e que, por sua vez, roubou a identidade da antiga professora de etiqueta da família.
Só que nenhuma das duas é a assassina: o culpado pelas mortes é alguém que você nunca chega sequer a cogitar. Dito isso, vamos partir para os furos.
Furo #1: todos os personagens estão interligados
Não que isso seja de fato um problema, uma vez que na estratégia da estrutura narrativa não há espaço para personagens desnecessários. Mas o que acontece em “O massacre da família Hope” é que todos, repito, todos os personagens estão interligados de alguma forma.
A começar pelos moradores da mansão Hope. Somos apresentados à Lenora, à Sra. Baker, a Carter (o caseiro), a Jessie (a faxineira) e a Archie (o cozinheiro). No fim você descobre que Carter acha que é neto de Lenora/Virginia, que Jessie é a verdadeira neta, que Archie era o amante do antigo caseiro, cuja esposa estava presente no dia dos assassinatos, e que a Sra. Baker é Lenora.
Percebe como tudo parece um círculo fechado demais? Em “O massacre da família Hope”, simplesmente não existem personagens que não estejam envolvidos no caso. E, fala sério, em que situação da vida real isso aconteceria?
Não é de fato um ponto negativo do livro, mas na minha opinião, é algo que me chamou a atenção por ser altamente improvável, como se o autor quisesse que todos os personagens tivessem seu papel relevante na trama, quando, na verdade, isso não precisa ser feito necessariamente assim.
Furo #2: a troca de identidade
O momento em que a gente descobre, junto com Kit, que a idosa de olhos verdes é, na verdade, Virginia, é um dos mais arrepiantes que eu tive a oportunidade de ler nos últimos tempos. Uma sacada genial, diga-se de passagem.
Foi realmente muito inteligente por parte da Lenora (a verdadeira) fingir a morte da irmã e fazê-la assumir sua identidade, mas agora vamos falar na prática? Mesmo que em 1929 não existisse internet nem câmeras nem tudo o que pode registrar a aparência de uma pessoa para a posteridade, ainda assim havia uma cidade inteira onde os boatos dos assassinatos repercutiram.
A família Hope não era uma família qualquer: eles moravam na parte mais rica da cidade, no topo de um penhasco, pelo amor de Deus, todo mundo sabia quem eles eram. E com certeza sabiam qual era a aparência de Lenora.
O próprio autor faz questão de enfatizar a diferença física entre as irmãs Hope, é claro que, na época, as pessoas também saberiam diferenciá-las. Isso dificulta um pouco a troca de identidade, certo?
Mas Lenora conseguiu não só fazer com que Virginia passasse a ser a irmã mais velha, como também conseguiu voltar para a cidade depois de alguns anos com a identidade da antiga professora de etiqueta ??? E ninguém percebeu nada? Como isso foi possível?
Furo #3: a invalidez de Virginia
Virginia é, na minha opinião, a personagem mais trambiqueira de todos os tempos. No instante em que passou pela minha cabeça a ideia de que ela poderia estar fingindo a invalidez, eu soube que era verdade, e pensei “mas que filha da… ****”.
Porque, sim, ela passou décadas da vida dela fingindo estar paralisada, fingindo não ser mais capaz de falar, fingindo conseguir mexer apenas a mão esquerda. Só que esse tempo todo ela estava ótima, em plena saúde física e mental. Enganando todo mundo.
Aí você pensa: o que ela ganhou com isso? No fim do livro Virginia diz que fez o que fez, principalmente, para castigar Lenora, fazê-la se sentir culpada, e que de qualquer forma, ela não sentia mesmo mais vontade de estar viva.
Mas será que isso é motivação suficiente para uma pessoa se submeter a praticamente uma vida inteira de limitações, humilhações e dependência? Porque Virginia supostamente precisava de ajuda até para realizar as atividades mais básicas: comer, tomar banho e ir ao banheiro.
Será que alguém se submeteria a isso de propósito, por décadas, só para castigar alguém? Não sei, me parece um pouco forçado. É quase como se o autor tivesse arranjado qualquer justificativa para o fingimento de Virginia, sem se preocupar se isso soaria convincente ou não.
Furo #4: a revelação do assassino
E finalmente chegamos ao assassino. Na verdade, “os” assassinos, porque é mais de um. Quem mata Winston Hope (o pai) é Evangeline (a mãe), que depois implora para Ricky (o namorado de Virginia na época) acabar com seu sofrimento. Vamos falar sobre essa parte?
Primeiro, Winston Hope já foi tarde. Por mim, poderia ter sofrido um pouco mais. E achei o máximo ter sido Evangeline a matá-lo, ela merecia uma vingança contra aquele babaca. Agora o trecho que se segue é que me deixou com dúvidas.
Evangeline pede ao namorado de Virginia que a mate, mas Ricky se recusa, então Evangeline passa a provocá-lo no intuito de irritá-lo para que, num ímpeto de raiva, ele a esfaqueie.
E é exatamente o que Ricky faz. Agora, pensa aqui comigo: uma pessoa que nunca matou ninguém, nunca deu sinais de maldade ou perversidade, numa situação daquelas, será que essa pessoa realmente esfaquearia alguém só por estar irritado? Só por ter sido provocado?
Não sei, pode até ser que existam pessoas impulsivas assim, mas não me parecia ser o caso de Ricky, que sempre foi tão carinhoso com Virginia. Mais um furo que me fez repensar a nota desse livro, mas ainda tem um detalhe.
Quem é Ricky? O pai de Kit. Lembra do lance de todos os personagens estarem interligados? Pois então. O Ricky é o responsável pelo assassinato de Evangeline Hope, é o pai do filho de Virginia e, consequentemente, avô de Jessie. Kit é, portanto, tia de Jessie.
Confuso, não? E é muita coincidência também. O autor gosta mesmo de dar um papel relevante para todos os seus personagens, sem exceção.
Furo #5: o fim de Lenora e Ricky
Eu já odiava o pai da Kit desde o começo, mas no fim, odiei mais ainda. Quando descobre que Lenora é Virginia, Ricky não só mata a coitada da Mary (a cuidadora anterior), que sabia de tudo, como também tenta matar Virginia. Minha sincera reação foi essa: ???????
Em nenhum momento tivemos um sinal, uma indicação, uma pista de que o pai de Kit era maluco desse jeito. Ele quase não aparece no restante do livro. Pra mim, seria muito mais coerente se o culpado fosse alguém da mansão, alguém que teve uma participação mais ativa na história.
Mas não. O autor escolheu o pai de Kit, um homem que mal falava com a filha e depois se revelou um assassino e tanto.
E aí vem a redenção. Do nada, depois de tentar matar Virginia, Ricky cede a um pedido de Kit e salva a vida da senhorinha. Uma reviravolta bem drástica no comportamento, né? Me soou muito estranho.
O fim de Ricky e Lenora também é igualmente perturbador. Quando a mansão Hope desmorona, Lenora se recusa a abandonar a casa, determinada a ficar lá até o fim. Depois de alguns segundos, Ricky também decide se juntar a Lenora, eles se dão as mãos e morrem juntos quando a casa desaba.
Novamente… ?????? Não me parece convincente que Ricky se arrependeu tanto assim de seus crimes a ponto de se matar, ainda mais desse jeito, junto com Lenora, numa casa em ruínas. Sei lá. O fato deles terem morrido de mãos dadas também achei um pouco exagerado.
Considerações finais
Depois de todas essas pontuações ligeiramente negativas sobre “O massacre da família Hope”, gostaria de deixar claro que esse é um livro que eu gostei MUITO (imagina se não tivesse gostado, né? rsrs).
Mas é perfeitamente possível a gente amar uma coisa e mesmo assim ter consciência de seus defeitos. Uma coisa não impede a outra. Minha última recomendação: leia o livro, mesmo que eu já tenha contado todo o final.
Nota 9,5/10