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Se você não gosta de spoilers, a autora recomenda que feche este post e volte apenas quando já tiver assistido o filme.
● 2023
● Direção: Marc Forster
● Onde assistir: Prime Video
Uma coisa curiosa a meu respeito é que eu quase nunca assisto a um filme assim que é lançado. Às vezes passam-se anos até que eu sinta vontade de assisti-los. Não me pergunte, não sei por que isso acontece. Entretanto, com “O pior vizinho do mundo”, foi um pouquinho diferente.
Apesar de ter sido lançado em 2023, eu assisti já no ano seguinte (mas não por vontade própria, me convenceram). Não me arrependi, mas comecei rindo e terminei chorando.
Antes de tudo, uma sinopse de “O pior vizinho do mundo”
O rabugento Otto (interpretado por Tom Hanks), apesar de ter sido deposto do cargo de presidente da associação de condomínios, continua vigiando com mão de ferro o bairro onde mora, cuidando da vida alheia e brigando com todo mundo sempre que encontra uma oportunidade.
Ele tem um objetivo bem peculiar e se esforça muito para cumpri-lo, mas quando Marisol e sua família se mudam para a casa da frente, todos os planos de Otto vão por água abaixo. E embora Otto considere Marisol uma pessoa irritante e inconveniente, uma linda e inesperada amizade começa a nascer entre os dois.
Um personagem adoravelmente chato
Otto é o tipo de personagem que, a princípio, causa uma estranheza no telespectador — afinal, não estamos acostumados a protagonistas ranzinzas, mal-humorados, grosseiros e taciturnos. Essas não são, em geral, as características que esperamos de um personagem principal (Hollywood nos acostumou muito mal).
Em “O pior vizinho do mundo”, somos quase forçados a nos afeiçoar a alguém que, na vida real, acharíamos bem chato. Mas acho que esse é o poder do cinema. Otto é adoravelmente desagradável e, mesmo que você o odeie nos primeiros minutos do filme, depois você vai entendendo o motivo de algumas atitudes suas.
Eu, particularmente, adorei Otto logo de cara. Talvez porque eu também seja rabugenta, talvez porque eu goste de protagonistas que fogem do padrão hollywoodiano, talvez porque dê pra perceber que Otto é uma boa pessoa por baixo de toda aquela casca de amargura.
(Muitas) tentativas frustradas
Eis aqui uma motivação bem peculiar para um protagonista também bem peculiar: Otto quer se matar. E, durante o filme inteiro, todas as suas tentativas são frustradas por imprevistos que o deixam ao mesmo tempo p*** e estressado.
Seja pelos novos vizinhos batendo à porta, tentando estacionar na casa da frente, seja pelo teto desabando quando ele tenta se enforcar ou por qualquer outro acontecimento cujo único propósito parece ser impedi-lo de cometer o tão sonhado suicídio, esses imprevistos adiam a morte de Otto como se o universo estivesse dando um aviso: ainda não é hora de morrer.
E é engraçado porque nada dá certo para Otto, e quanto mais frustrado ele fica por não conseguir se matar, mais feliz a gente fica por ver a transformação ocorrendo na vida de Otto.
Não que sua motivação não seja plausível: ele quer se matar para reencontrar a esposa, Sonya, que morreu há alguns anos. É que nós, espectadores, queremos que Otto perceba que o suicídio não é a melhor solução, e que todos esses imprevistos podem estar acontecendo por um motivo.
Ele vai reencontrar Sonya, mas na hora certa, e acho que, no fundo, Otto também sabe disso. Porque por mais que sua intenção seja mesmo acabar com tudo, no fundo a gente vê nos olhos de Otto uma chama ainda acesa, um desejo que ainda existe de continuar vivo.
Alguém que faz o coração de Otto derreter
E claro que os novos vizinhos têm uma grande parcela de responsabilidade na transformação do protagonista. Quando Marisol chega como um turbilhão na vida de Otto, ele se vê perdido e desnorteado com tanta energia e agitação – afinal, Marisol é uma pessoa cheia de vida e qualquer um perto dela acaba sendo “impregnado” por essa aura.
Aos poucos, Otto se rende a Marisol e à sua família, suas filhas e o bebê que está a caminho, embora nunca perca sua essência rabugenta, e no fim se rende até ao gato, que faz seu coração de gelo lentamente derreter.
Aí você percebe que as tentativas de acabar com tudo vão ficando mais escassas. Otto não exatamente desiste de se suicidar, mas percebe que talvez dê para esperar mais um pouco, porque tem outras coisas para se apreciar antes de partir.
É como se, no desenrolar do filme, ele finalmente escutasse o chamado do Universo e abrisse os olhos para as pequenas maravilhas da vida. Como se, de alguma forma, ele se desse conta de que, apesar da dor, existe algo de muito bonito e muito belo em estar vivo.
Uma morte natural, como deve ser
É comum, quando a gente cogita o suicídio, amarelar bem na hora H. Ao contrário do que as pessoas pensam, suicídio não é para covardes – tem que ser muito, muito corajoso pra ir até o fim. Então, quando você se acovarda e desiste, você promete a si mesmo: amanhã. Amanhã eu acabo com tudo. E assim você adia a decisão, porque quem sabe amanhã você tem mais coragem, né?
Se você assistiu ao filme, não sei como interpretou o final. Mas eu gosto de pensar que Otto foi adiando, adiando, adiando aquela sua decisão final, até que simplesmente, morreu dormindo, de morte natural, como tem que ser. Tem algo de muito triste e muito bonito nisso, você não acha?
Um recado da autora: quando você cogita acabar com tudo
Eu não sei como é perder alguém, não sei que tipo de dor nos consome quando a gente perde alguém, nem sei como eu reagiria se (e quando) algo assim acontecesse comigo (inclusive às vezes me pego pensando nisso e fico paralisada de medo).
Mas todo mundo passou ou vai passar por isso em algum momento, e ao ver a trajetória de Otto, eu não consigo julgá-lo. Não é fácil conviver com esse tipo de dor pungente que corrói e que não passa de jeito nenhum, de modo que essa solução me parece até viável em alguns momentos. Não se julga alguém que está sofrendo e nem suas escolhas.
E quem seria eu pra julgar? Eu, que convivo com a depressão há mais de 10 anos, que já cogitei essa mesma possibilidade inúmeras vezes, como eu poderia julgar Otto? Na verdade eu admiro Otto. Porque ele teria tido coragem se não tivesse sido impedido tantas vezes — eu nunca tive.
Mas apesar de saber o que ele sente, pelo menos em partes, eu ouvi o Universo quando ele me chamou, e resolvi esperar, ainda que a realidade fosse ruim e sofrida. E que bom, Otto, que você ouviu também, porque o Universo sempre chama, sussurrando no seu ouvido, pondo a mão no seu peito, dizendo…
Calma, amanhã vai ser melhor, não tome nenhuma decisão hoje. Olha pela janela, ainda existe vida, não desiste agora, não. Vai, toma um banho quente, vai conversar com seus vizinhos, faz carinho no seu gato. Espera só mais um pouquinho.
Muito bom os comentários, parabéns
Muito bom esse filme ❤️
❤️