top of page

Round 6 e Jogos Vorazes: tudo que essas duas produções têm em comum

  • Foto do escritor: Katherine Carvalho
    Katherine Carvalho
  • 16 de fev.
  • 9 min de leitura
Pôsteres de Round 6 e Jogos Vorazes, série da Netflix e trilogia de Suzanne Collins, respectivamente

Que Round 6 se tornou uma febre mundial, todo mundo sabe. Mas essa não é a primeira história sobre uma competição mortal que a gente vê na TV. Jogos Vorazes já havia feito isso muitos anos antes. Continua lendo pra você entender meu raciocínio. 

 

Primeiro, um pouco sobre Round 6


Em Round 6, série sul-coreana original da Netflix, um grupo de pessoas com problemas financeiros se candidata para participar de uma competição valendo um prêmio bilionário. A princípio, todos acham que vão disputar jogos de criança, típicos da infância, mas logo percebem que a consequência para quem perde é a morte. 


E um pouco sobre Jogos Vorazes 


Em Jogos Vorazes, distopia criada por Suzanne Collins, somos apresentados a Panem, um país com 1 capital que comanda 12 distritos com mão de ferro. Como punição pela rebelião dos distritos, a Capital criou os Jogos Vorazes, um evento anual em que cada distrito é obrigado a fornecer um garoto e uma garota (chamados “tributos”) para lutarem até a morte numa arena, até que reste somente um vitorioso. Esse evento é televisionado e tratado como uma festividade pelos moradores da Capital, um espetáculo de entretenimento. Basicamente, eles se divertem assistindo aos 24 jogadores matando uns aos outros.


E o que essas duas produções têm em comum?


Agora vamos ao que interessa. A verdade é que Round 6 e Jogos Vorazes têm muita coisa em comum, mas você talvez ainda não tenha percebido ou não tenha feito a ligação entre as duas produções. Por isso estou aqui pra te mostrar item por item e te provar que meu raciocínio faz sentido. Vê só: 


Os jogos


“Ain, mas tem algumas diferenças”, sim, em nenhum momento falei o contrário. A começar pelos jogos em si. Em Jogos Vorazes, os participantes são obrigados a competirem: são selecionados numa Colheita e levados para a Capital, onde serão treinados e posteriormente jogados na arena, e aí finalmente terão que lutar uns contra os outros.


Em Jogos Vorazes, eles não têm escolha. Nos distritos, os Jogos são temidos e vistos como uma crueldade, uma forma de manter todos sob controle e evitar novas rebeliões. Já em Round 6, os competidores voluntariamente se candidatam para o jogo porque são influenciados pela cobiça, pela ideia do prêmio bilionário – e porque ninguém avisou que todo mundo ia morrer. Pelo menos, em Jogos Vorazes, eles vão para a arena sabendo que apenas 1 vai voltar com vida.


Mas voltando ao assunto. Apesar de se tratar de jogos aparentemente infantis, em Round 6 todas as consequências são mortais. Se mexeu na Batatinha Frita 1, 2, 3? Morre. Não conseguiu destacar a imagem no negocinho de açúcar? Morre. 


Existe, sim, uma atmosfera meio cômica ao longo de toda a série, ao contrário do que acontece na obra de Suzanne Collins, mas a angústia dos participantes, a tensão, o medo, tudo isso é perceptível (tanto é que a gente se sente ansioso assistindo). 


A mesma coisa acontece em Jogos Vorazes. Enquanto em Round 6 a gente consegue ver as mãos de Gi-hun tremendo quando ouve alguém sendo assassinado, em Jogos Vorazes somos testemunhas do horror de Katniss quando algum dos tributos é morto.


E a semelhança está ali: em ambas as produções, qualquer errinho, qualquer passo em falso, qualquer deslize, por menor que seja, pode significar fim de jogo, no sentido mais literal da palavra. 


A arena


A arena dos Jogos Vorazes é uma só: geralmente os tributos são lançados num cenário de floresta, selva, descampados ou desertos, na verdade pode ser qualquer coisa (depende do humor dos Idealizadores), e é nesse cenário que todos eles lutam entre si. Em contrapartida, há diversas arenas em Round 6, uma para cada jogo (são 6 no total). 


Mas a semelhança está na ideia em si, e no próprio nome: ambas as produções utilizam a palavra arena. Se você está lembrado das aulas de História ou se você não lembra e for procurar no Google, a definição de arena é a seguinte:


“Espaço circular, fechado, para touradas e outros espetáculos. Parte central dos anfiteatros romanos, coberta de areia, onde se realizavam combates entre gladiadores e feras”. Em outras palavras, é um lugar onde as pessoas lutam e morrem. 


E embora haja certas diferenças entre uma produção e outra, tanto a arena de Jogos Vorazes quanto a de Round 6 apresentam a mesma finalidade. 


O recolhimento dos mortos


Na vida real, quando um jogador é eliminado, ele sai do jogo, certo? Em Round 6 e Jogos Vorazes, também. 


O recolhimento dos mortos acontece de forma semelhante nas duas obras: em Round 6, os guardas triângulos e círculos colocam os corpos dos eliminados em caixões durante as pausas do jogo, e em Jogos Vorazes os aerodeslizadores resgatam os cadáveres para serem enviados de volta às suas famílias. 


Independentemente da forma com que os mortos são recolhidos, nenhum cadáver permanece na arena, tanto em Round 6 quanto em Jogos Vorazes. 


O prêmio 


Todo jogo precisa de um incentivo, né? Senão ninguém vai querer jogar. Em Jogos Vorazes, além do instinto de sobrevivência que motiva os tributos, há também a garantia de que o vencedor sairá da arena banhado em dinheiro e fama. 


É por isso que alguns tributos, principalmente dos distritos 1 e 2 (os mais ricos), chamados de Carreiristas, se voluntariam para os Jogos – porque lá esse evento é visto como uma honra e uma chance de trazer ainda mais riqueza para o povo do distrito.   


Já em Round 6, desde o começo a motivação maior é o prêmio. A cobiça é nítida desde o momento em que os competidores são abordados pelo homem no metrô, que propõe um jogo onde eles poderão ganhar dinheiro – e todo mundo aceita jogar, mesmo apanhando. 


Depois, quando todos já estão na ilha, os competidores de Round 6 percebem o quão cruel é a logística dos jogos e se dão conta de que praticamente todos ali vão morrer. Alguns até tentam sair, desistir do jogo, mas é preciso fazer uma votação para definir se os jogos serão ou não cancelados. 


E antes da votação, quando o prêmio é revelado, até quem queria desistir decide ficar. Por quê? Porque os jogos (ambos, os de Round 6 e os Jogos Vorazes) brincam com a característica humana mais suja que existe: a ambição. 


Na série coreana, estão todos tão falidos, tão afundados em dívidas, que ninguém liga pra quem vai morrer – o importante é eles saírem de lá com o dinheiro. E os idealizadores dos jogos (de novo, de ambos) sabem muito bem disso. Eles sabem que, pela sobrevivência e pelo dinheiro, as pessoas fazem qualquer coisa.

  

O vencedor


Embora no início de Round 6 não tenha ficado claro para os competidores quantos deles poderão sair vitoriosos, durante toda a série fica implícito que somente um ganhará o jogo. E de fato é o que acontece, com a vitória de Gi-hun. Em Jogos Vorazes também, pelo menos até a 74ª edição (quando Katniss e Peeta ganham juntos, quebrando todas as regras do evento).


Vale dizer que nada sobre o prêmio era mentira: eles podem ter omitido as verdadeiras circunstâncias dos jogos em Round 6, podem ter manipulado os competidores para convencê-los a entrar no jogo, mas ambas as produções cumprem o que prometem. 


Os vitoriosos, tanto em Round 6 quanto em Jogos Vorazes, saem do jogo banhados em riqueza. Porém, tanto em uma quanto na outra, curiosamente nenhum dos protagonistas tem interesse em gastar o dinheiro.


Os patrocinadores 


E quem financia todos esses jogos? Claro que existe alguém por trás disso, certo? Certo. Em Jogos Vorazes, os chamados patrocinadores não são necessariamente quem financia os jogos, mas são pessoas importantes da alta sociedade da Capital que investem em determinados jogadores, apostando naqueles que têm mais chances de ganhar e enviando dádivas para eles dentro da arena (remédios, comida, roupas, itens de sobrevivência). 


Ou seja, no universo de Suzanne Collins, os Jogos Vorazes só existem porque tem quem assiste e tem quem abastece o mercado de apostas. Por outro lado, os jogos de Round 6 não são televisionados – muito pelo contrário, são mantidos em sigilo absoluto, de modo que quase ninguém tem conhecimento de sua existência.


Mas isso não quer dizer que também não há patrocinadores. No caso de Round 6, eles são chamados de “os VIPs”. Homens ricos, mascarados, que se reúnem para assistir aos jogos de camarote, como se fosse uma grande atração, em salas confortáveis, sendo servidos por inúmeros empregados, comendo e bebendo em abundância e também realizando apostas. Viu a semelhança?  


O banquete


Há uma grande ironia em Jogos Vorazes que eu sempre gosto de salientar. Diz-se que engordam-se os animais antes do abate, e é exatamente isso que fazem com os tributos na Capital. 


Antes de entrar na arena, os 24 competidores são bem tratados, bem alimentados, bem vestidos, na verdade, eles levam uma vida de verdadeiro luxo por alguns dias – comendo do bom e do melhor, morando em apartamentos chiques, e tudo o mais. 


Assim, quando eles entram na arena, sofrem um choque de realidade: afinal, na arena não há água, comida ou abrigo garantidos. Toda a luxuosidade dos últimos dias some de suas cabeças e o que fica é o instinto de sobrevivência. Como porcos bem gordinhos sendo preparados para o assado de domingo.  


Em Round 6, a alimentação é escassa, resumindo-se a uma espiga de milho ou um pedaço de pão antes de cada jogo, exceto pela última noite. Na última noite, quando restam apenas os finalistas, é oferecido um banquete aos três competidores, com mesa posta, taças de vinho, pratos de porcelana e velas. 


É igualmente irônico porque, àquela altura, dois dos três finalistas têm consciência de que aquela é sua última refeição. Por isso eles comem como se não houvesse amanhã. É porque realmente não há


A selvageria


Um elemento muito presente nas duas produções é a linha tênue entre a humanidade e o instinto de sobrevivência. Porque ambas as obras, tanto Round 6 quanto Jogos Vorazes, mostram que o altruísmo, a compaixão, a solidariedade, a empatia, só vão até certo ponto. 


Quando o que está em jogo é a sua segurança, sua integridade física, sua vida, nada mais importa. Você entra no modo automático, pisoteia qualquer coisa, mata quem tiver que matar, faz o que for preciso para se manter vivo. 


E aí você esquece que do outro lado também é um ser humano que sente dor, que tem medo, que tem família, que também quer viver. 


Em Jogos Vorazes, quando o gongo soa anunciando o início do evento, há o que os personagens chamam de Banho de Sangue. Basicamente, nos primeiros minutos do jogo na arena, alguns competidores se digladiam entre si para se apoderar dos suprimentos: armas, comida e água, principalmente. 


Há sempre muitas mortes nos Banhos de Sangue, porque assim que soa o gongo, a humanidade desaparece e dá lugar ao instinto. Não podemos culpá-los. Nunca passei por uma situação em que precisasse lutar com afinco pela minha própria sobrevivência, então eu mesma não sei como reagiria nessas circunstâncias. 


Em Round 6, logo após o primeiro jogo, quando eles percebem que não há consequências ou punições para assassinatos entre os participantes, os competidores começam, simplesmente, a matar uns aos outros. Porque já que é pra lutar por um prêmio, por que não apressar o resultado, não é? 


Quanto menos competidores, mais rápido o jogo acaba. E é aí que começa a completa e total selvageria. Acho que essa é a crueldade dos jogos. Porque eles brincam com o que há de mais primitivo no ser humano, e no fim, a única impressão que eu tenho é que, quando as coisas ficam feias, realmente feias, todos nós nos tornamos apenas animais.  


O estresse pós-traumático 


Mas e depois que o jogo acaba? E depois que você viu tudo aquilo na arena? Depois que você foi caçado, ferido, ameaçado. Depois que você sentiu medo até esquecer que existe qualquer outro sentimento, depois que seus amigos e aliados morreram na sua frente, depois que você mesmo foi obrigado a matar, porque lá, ou você mata ou morre.


O que acontece depois? Chamam de estresse pós-traumático. Será que é parecido com o que os veteranos sentem quando voltam da guerra? Não sei. Essa é outra coisa que eu também nunca vou saber. 


O fato é que tanto Katniss, de Jogos Vorazes, quanto Gi-hun, de Round 6, apresentam todos os sintomas de estresse pós-traumático após saírem vitoriosos de suas respectivas competições. Enquanto Katniss sofre com pesadelos, paranoias e medo constante, Gi-hun fica apático, mudo, inexpressivo, com pensamentos intrusivos que o levam de volta à arena contra sua vontade. 


E a que preço? Tudo por um prêmio bilionário, uma grande fortuna, dinheiro em abundância que nenhum dos dois tem interesse em gastar, porque estão ocupados demais presos em suas próprias mentes atormentadas. Se esse é o preço pela sobrevivência, será que valeu realmente a pena?


Por que histórias assim fazem tanto sucesso?


Como uma pessoa que gosta muito de ambas as produções, eu respondo essa pergunta. Porque também somos humanos. Porque você pode negar, pode espernear, pode fingir que é melhor que os outros, mas a verdade é que o ser humano não é perfeito.


Todo mundo tem dentro de si esse lado sujo, essa quedinha pela perversão, essa cobiça pelo que é supérfluo, fútil, vazio, claro que alguns em um grau maior, mais preocupante, outros em um grau menor. 


Nós temos muitos defeitos e lados obscuros que gostaríamos de não ter, e produções como essa, a despeito de todas as outras que mostram nossa face mais bela, são como um tapa na cara que diz você também é um pouco assim, viu? Viu como é horrível? 


São produções que dizem, de forma nua e crua, viu como nós também podemos ser selvagens? Agora senta aí e reflete sobre essa podridão que existe dentro de você. Dentro de todos nós.

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating

Obrigada!

bottom of page