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  • Foto do escritorKatherine Carvalho

Uma análise da música "Flores" dos Titãs

Não se deixe enganar pelas batidas e pelo ritmo agitado. Essa música é sobre dor. Essa música é sobre sofrimento. Essa música é sobre suicídio. Não se deixe enganar.


Olhei até ficar cansado

De ver os meus olhos no espelho

Chorei por ter despedaçado

As flores que estão no canteiro


A primeira parte me remete aos dias ruins em que tudo o que a gente consegue fazer é chorar e tentar sobreviver a esse grande tormento e sucessão de acontecimentos caóticos que a gente tem a infelicidade de chamar de vida. A gente chora e depois tem o costume de se olhar no espelho, pra ter o prazer mórbido de ver o estrago que o choro causa no nosso rosto: olhos inchados, vermelhos injetados. A gente olha até ficar cansado. A meu ver, as flores na música representam a esperança — a pessoa do início da canção chora por ter despedaçado as flores no canteiro, por ter exterminado a esperança.


Os punhos e os pulsos cortados

E o resto do meu corpo inteiro

Há flores cobrindo o telhado

E embaixo do meu travesseiro

Há flores por todos os lados

Há flores em tudo que eu vejo


Depois que a esperança vai embora — as flores despedaçadas no canteiro — não resta mais nada. A vida começa a acabar no momento em que alguém decide cortar os punhos e os pulsos. Na minha opinião, a frase “e o resto do corpo inteiro” é uma metáfora para a dor que a pessoa sente ao tomar a decisão de acabar com tudo — não acredito que necessariamente a pessoa na música se cortou inteira. Uma coisa que acho curiosa, contudo, é a transformação das flores nessa estrofe: se no início elas representavam a esperança que lentamente se esvai, agora as flores me remetem ao luto e à homenagem que prestamos a alguém que morreu durante seu velório. Veja que, aqui, as flores cobrem o telhado, estão debaixo do travesseiro, por toda parte, como se a pessoa na música já estivesse partindo e estivesse prestes a cruzar a linha da vida e da morte. Agora ela não precisa de esperança: ela precisa que a velem com flores.


A dor vai curar essas lástimas

O soro tem gosto de lágrimas

As flores têm cheiro de morte

A dor vai fechar esses cortes

Flores

Flores

As flores de plástico não morrem


Uma mudança acontece na terceira estrofe: a pessoa, afinal, não morreu. O mais curioso na música, no entanto, é que antes de ler a letra, eu sempre entendi que diziam “o choro tem gosto de lágrimas” (que, pra mim, faria muito sentido), e só depois que eu descobri que, na verdade, o correto é “o soro tem gosto de lágrimas”, foi que meu entendimento sobre a canção mudou. A pessoa na música não morreu — ela foi salva antes que o sangue se esvaísse por completo de seus punhos e pulsos cortados, e por algum motivo que nem eu entendo, eu imagino, nessa estrofe, alguém deitado numa cama de hospital conectado a tubos e aparelhos, logo após uma tentativa frustrada de suicídio. Agora que a pessoa se encontra novamente viva, pensa que a dor, afinal, vai curar as lástimas que a levaram a querer acabar com tudo, e que essa mesma dor vai fechar os cortes que ela mesma provocou. As flores têm cheiro de morte: as mesmas flores com que velamos alguém num velório também são enviadas para alguém que está enfermo. O soro tem gosto de lágrimas: as lágrimas que ela verteu ao tentar acabar com tudo, e o soro que agora a mantém viva dentro do hospital. Pela primeira vez, vemos a menção às flores de plástico, o que me leva a crer que a esperança retorna (ainda que parcialmente), mas que dessa vez, vem na forma de algo imortal, como o plástico, ao contrário das flores naturais, que murcham e morrem mais cedo ou mais tarde. Seria então uma alusão a uma esperança impossível de morrer? Ora, se a esperança não morre, então também não precisamos acabar com tudo…


Olhei até ficar cansado

De ver os meus olhos no espelho

Chorei por ter despedaçado

As flores que estão no canteiro


Os punhos e os pulsos cortados

E o resto do meu corpo inteiro

Há flores cobrindo o telhado

E embaixo do meu travesseiro

Há flores por todos os lados

Há flores em tudo que eu vejo


A dor vai curar essas lástimas

O soro tem gosto de lágrimas

As flores têm cheiro de morte

A dor vai fechar esses cortes

Flores

Flores

As flores de plástico não morrem

Flores

Flores

As flores de plástico não morrem


Porém, quando tudo parece acabar bem, a música repete as três primeiras estrofes exatamente do mesmo jeito, o que me leva a pensar que talvez a vida seja mesmo um ciclo eterno de estar bem e estar mal, de morrer e reviver, de chorar e rir, de esperanças que morrem e esperanças que nascem, assim, do nada, como num dia que acordamos nunca mais querendo dormir e em outro onde dormimos nunca mais querendo acordar.


** Todas as análises feitas aqui são fruto da minha percepção de mundo e do que eu acredito, sinto e imagino ao ouvir cada música e ler cada letra. Não representam necessariamente a realidade e podem não coincidir com o que você, porventura, venha a acreditar depois de ler a análise ou de ouvir a música sobre a qual se refere a análise. Também pode não coincidir com o real intuito do artista e do compositor ao criar a canção — tudo isso é apenas a minha visão, a minha opinião e o meu entendimento a partir da música que chega aos meus ouvidos e que eu decidi por livre e espontânea vontade compartilhar com vocês.


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Por Katherine Carvalho

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